leuginase

O Ministério Público Federal em Ribeirão Preto (SP) entrou com ação para que a União recolha imediatamente o medicamento LeugiNase, distribuído a hospitais do SUS para o tratamento de leucemia linfoide aguda (LLA). A medicação, de origem chinesa, foi adquirida sem licitação embora não haja nenhuma comprovação sobre sua eficácia científica e segurança sanitária, segundo o Ministério Público Federal.

As informações foram divulgadas no site da Procuradoria em São Paulo – O número do processo é 5001449-17.2017.403.6102. Para consultar a tramitação, acesse https://pje1g.trf3.jus.br/pje/ConsultaPublica/listView.seam

O LeugiNase foi comprado pelo Ministério da Saúde em substituição ao medicamento japonês/alemão Aginasa, que já era utilizado pelo SUS desde 2013, ‘com resultados positivos de até 90% de cura’, destaca a Procuradoria.

A ação do Ministério Público Federal aponta que tanto o LeugiNase quanto o Aginasa são nomes comerciais da l-asparaginase, medicação essencial no tratamento da LLA – um dos tipos de câncer mais comuns em crianças e adolescentes, com cerca de 4 mil novos casos por ano no Brasil.

A l-asparaginase é utilizada, junto com outras quatro drogas, num tratamento poliquimioterápico com taxas de cura entre 70% e 90%. No entanto, quando um dos componentes da quimioterapia é falho, esse índice cai para menos de 50%.

A Procuradoria destaca que ‘a falta de eficácia do LeugiNase ameaça a vida de milhares de crianças, pois pode prejudicar o êxito do tratamento de forma irreversível’.

“Segundo testes realizados pelo Laboratório Nacional de Biociências – LNBio e pelo laboratório norte-americano MSBioworks, o remédio chinês contém grau elevado de impurezas, apresentando 41 proteínas contaminantes contra seis de seu concorrente japonês/alemão”, afirma a Procuradoria. “A presença dessas impurezas pode aumentar a produção de anticorpos que neutralizam o princípio ativo da l-asparaginase, reduzindo sua ação.”

Em processo judicial movido pelo Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A. Boldrini, também foram identificadas irregularidades na bula do LeugiNase, bem como a ausência de literatura técnico-científica indexada sobre ele, sustenta a Procuradoria.

“Além disso, o medicamento não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão regulador, apesar de ter autorizado a importação excepcional, afirmou que não dispõe das informações técnicas necessárias para emitir parecer conclusivo sobre o produto. De acordo com o Ministério da Saúde, o remédio chinês possui registro sanitário em Honduras, Peru, Índia, Uruguai e na própria China.”

Licitação. O processo de aquisição dos medicamentos, realizado em 2016, ‘foi marcado por inúmeras irregularidades’, afirma a Procuradoria.

“O Ministério da Saúde empregou a dispensa de licitação, argumentando se tratar de uma compra emergencial. No entanto, a pasta tivera 17 meses para normalizar o abastecimento da l-asparaginase e foi negligente ao não realizar procedimento licitatório regular. O processo culminou na aquisição de 30.660 doses do medicamento LeugiNase.”

As supostas irregularidades envolvidas na compra do remédio chinês são objeto de inquérito da Polícia Federal, envolvendo inclusive a empresa uruguaia Xetley S.A., responsável pela distribuição do produto em nosso país.

Segundo as investigações, ‘a fornecedora não possui estrutura física em Montevidéu e, no Brasil, seu representante está instalado num pequeno e precário escritório de contabilidade em Barueri (SP)’. “Além disso, a empresa não possui funcionários cadastrados.”

Para a procuradora da República Daniela Gozzo de Oliveira, autora da ação, tais constatações ‘reforçam a insegurança relacionada ao medicamento’.

“Caso ocorram problemas ou danos, como reações adversas e até a morte de pacientes, o consumidor brasileiro não terá a quem recorrer”, alerta Daniella.

A ação indica que durante o processo de compra, a área técnica do próprio Ministério da Saúde se manifestou contra a obtenção do LeugiNase, argumentando que a Xetley S.A. não possui as autorizações sanitárias exigíveis para a comercialização de medicamento biológico, como é o caso da l-asparaginase.

“Por conta deste posicionamento, a pasta chegou a abrir outro procedimento para a aquisição específica do Aginasa, nesse caso via inexibilidade de licitação, considerando que o remédio japonês/alemão seria o único apto a suprir as necessidades brasileiras. Antes da conclusão da compra, no entanto, o Ministério voltou atrás e optou por fechar o negócio com a empresa uruguaia”, afirma a Procuradoria.

Pedidos. Atualmente, os estoques de Aginasa adquiridos em 2014 se esgotaram ou estão acabando na rede pública de saúde, fazendo com que muitos pacientes já utilizem o medicamento chinês sem eficácia comprovada, diz a ação.

O Ministério Público Federal requer que a União, além de suspender a compra, distribuição e utilização do LeugiNase, importe imediatamente o remédio japonês/alemão ou outro que possua evidência científica de sua ação e segurança.

O medicamento deverá ser distribuído a aos hospitais do SUS que o necessitem em todo o território nacional, no prazo de até 10 dias da intimação da decisão judicial, sob pena de multa diária não inferior a R$ 50 mil.

A ação também pede que o Ministério da Saúde inicie imediatamente regular procedimento licitatório com o objetivo de adquirir a l-asparaginase ou a asparaginase peguilada (‘versão mais moderna, eficaz e segura do medicamento’) com comprovada eficácia científica e segurança sanitária, buscando assim outros fornecedores no mercado mundial.

COM A PALAVRA, O MINISTÉRIO DA SAÚDE

O Ministério da Saúde esclarece que o medicamento Leuginase contém o princípio ativo L -asparaginase com atividade enzimática comprovada por seis diferentes laboratórios, entre eles o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) – ou seja, atividade que confere a L-asparaginase o seu efeito terapêutico. A análise ainda mostrou que não foram encontrados contaminantes bacterianos que podem causar danos ao usuário.

O abastecimento da rede pública de saúde está regular. Vinte e um estados (AC, AL, AM, BA, CE, ES, GO, MA, MG, MS, MT, PA, PB, PE, PI, RJ, RN, RO, RS, SC e SP) além do Distrito Federal, já estão utilizando o medicamento. Na farmacovigilância (acompanhamento junto a essas unidades), até o momento, não se observou efeito além do esperado pela literatura disponível.

É importante esclarecer que a compra de medicamentos oncológicos é obrigatoriedade dos hospitais que atendem na rede pública. O valor já é contemplado pelos repasses de acordo com os procedimentos realizados. Mesmo assim, desde 2013, a pasta vem importando o medicamento para auxiliar instituições que tem dificuldade na aquisição do produto essencial no combate a este tipo de câncer infantil.

A pasta ainda esclarece que seguiu todos os trâmites que permitem uma importação excepcional do medicamento, conforme parecer da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de janeiro de 2017.

O Ministério da Saúde ressalta que tem atuado com transparência em relação ao tema, já participou de audiência pública sobre o uso do medicamento Leuginase no Congresso Nacional e promoveu reuniões com especialistas da área, estando à disposição das autoridades para responder a questionamentos

Por fim, a pasta ressalta que após reunião realizada em (27) de junho de 2017, a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica colocou em ata, “ não vemos aspectos graves suficientes para justificar a suspensão imediata e retirada da Leuginase de uso”.

COM A PALAVRA, XETLEY

A reportagem entrou em contato com a empresa, mas ainda não obteve resposta. O espaço está aberto para manifestação.

Fonte: Estadão