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- Categoria: Saúde
- By Fábio Reis
Cálculos renais recorrentes podem ser sinal de uma doença rara. O surgimento de cálculos renais em crianças e adolescentes ou recorrentes em adultos são algumas das características da HP1, uma enfermidade metabólica ultrarrara.
Nós ouvimos com frequência pessoas comentarem que estão com pedras nos rins. Isso quando os cálculos renais, nome técnico do conceito popular de 'pedra no rim', não acometem alguém que conhecemos, ou até nós mesmos. Cálculos renais são formações de massas de cristais nos rins ou nas vias urinárias, ocasionadas por fatores metabólicos ou alimentares, e que podem ser eliminados pela urina naturalmente, com auxílio de medicamento ou, ainda, por meio de procedimentos cirúrgicos.1 O problema atinge mais de 10 milhões de brasileiros, segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia.2
O aparecimento de cálculos renais em crianças e adolescentes - e de forma recorrente em adultos - pode alertar para o diagnóstico de Hiperoxalúria Primária Tipo 1 (HP1), uma doença genética ultrarrara, caracterizada pela formação de cristais de oxalato de cálcio que se acumulam nos rins pelas vias urinárias, causando dores intensas, incapacitação e pode ser potencialmente fatal.
As Hiperoxalúrias Primárias são um grupo de doenças genéticas ocasionadas pela superprodução de oxalato no fígado. A HP1 é o tipo mais comum e severo, responsável por entre 70% e 80% dos casos.3 A produção contínua de oxalato causa grave prejuízo aos rins, devido à formação de cálculos e depósito de cristais de oxalato de cálcio (nefrocalcinose), podendo ocorrer oxalose sistêmica, uma vez que os rins ficam muito danificados para remover o oxalato do plasma.4 A doença pode acometer crianças e adultos em qualquer fase da vida.
"É preciso observar que a formação de cálculos renais em crianças e adolescentes não pode ser considerada algo normal. Ao nos depararmos com esses casos, devemos investigar a possibilidade de um diagnóstico de HP1", orienta a nefropediatra Maria Helena Vaisbich, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
A especialista explica que a doença provoca um declínio progressivo das funções renais que pode avançar para o estágio terminal.5 Ela aponta que devido ao pouco conhecimento sobre a doença, mais de 70% dos diagnósticos em adultos ocorre quando esses pacientes já estão com as funções renais irreversivelmente comprometidas.6
O diagnóstico de HP1 pode ser feito com um exame de urina de 24 horas, cujo resultado levanta a suspeita de hiperoxalúria. Posteriormente, um teste genético é capaz de confirmar o diagnóstico com alta especificidade.7
Diagnóstico
A Hiperoxalúria Primária Tipo 1 não tem cura, mas o diagnóstico precoce possibilita tratamentos que podem desacelerar e até silenciar a progressão da doença, proporcionando mais qualidade de vida às pessoas com essa condição.
As estratégias terapêuticas de mitigação da doença podem diminuir os danos ao reduzir a formação de cálculos e a deposição renal de cristais de oxalato de cálcio, ressaltando a importância do diagnóstico e intervenção precoces.8
A nefropediatra Maria Helena Vaisbish aponta que há terapias investigativas em desenvolvimento – como inibidores da via de síntese e degradantes de oxalato - e outras já disponíveis para o tratamento da doença – por exemplo, a terapia de RNA de interferência (RNAi), tecnologia de silenciamento do gene que causa a falha metabólica responsável por desencadear a superprodução de oxalato.
O RNA de Interferência (RNAi) é um processo científico inovador já aplicado no Brasil e no mundo para o tratamento de algumas doenças genéticas raras, como amiloidose hereditária ATTR e porfiria hepática aguda. O RNA de interferência (RNAi) é uma inovação na compreensão de como os genes são regulados pelas células. Também representa uma abordagem totalmente nova de descoberta e desenvolvimento de medicamentos. O Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2006, concedido a Craig Mello e Andrew Fire, reconheceu a importância do RNAi como uma descoberta científica importante.
Sobre o silenciamento de gene (RNAi)
O RNAi (RNA de interferência) é um processo celular natural de silenciamento de genes, que representa uma das fronteiras mais promissoras e de rápido avanço no desenvolvimento da Biologia e de medicamentos atualmente. O tratamento com RNAi é uma nova classe de medicamentos que aproveita o processo biológico natural do RNAi. As moléculas de RNA de interferência de cadeia dupla (siRNAs) atuam no início do processo podendo silenciar o RNA mensageiro (mRNA), que codificam as proteínas causadoras de doenças, impedindo, assim, que elas sejam criadas. Trata-se de uma abordagem revolucionária com o potencial de transformar o tratamento de pacientes portadores de doenças genéticas e outros tipos de doenças.9 O tratamento de RNAi para HP1 foi aprovado no Brasil em junho deste ano pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).10
Referências bibliográficas:
[1] Biblioteca Virtual em Saúde. Ministério da Saúde. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/calculo-renal-pedra-no-rim. Acesso em: 23/09/2021.
[2] Biblioteca Virtual em Saúde. Ministério da Saúde. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/14-3-dia-mundial-do-rim-2019-saude-dos-rins-para-todos. Acesso em: 23/09/2021,
[3] Cochat P, Rumsby G. N Engl J Med. 2013;369(7):649-658.
[4] Hoppe B, Beck BB, Milliner DS. Kidney Int. 2009;75(12):1264-1271.
[5] Milliner DS, Harris PC, Cogal AG, Lieske JC. Atualizado em 30 de novembro de 2017. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1283.
[6] Harambat J, Fargue S, Acquaviva C, et al. Kidney Int. 2010;77(5):443-449.
[7] Cochat P, Hulton SA, Acquaviva C, et al. Nephrol Dial Transplant.2012;27(5):1729-1736.
[8] Hoppe B. Nat Rev Nephrol. 2012;8(8):467-475.
[9] Fire A, Xu S, Montgomery MK, Kostas SA, Driver SE, Mello CC. Potent and specific genetic interference by double-stranded RNA in Caenorhabditis elegans. Nature 1998; 391:806-11
[10] Bulário Eletrônico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Disponível em https://consultas.anvisa.gov.br/#/bulario/q/?nomeProduto=OXLUMO. Acesso em: 23/09/2021