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- Categoria: Saúde
- By Fiocruz
Fiocruz e Academia Chinesa de Ciências reforçam parceria
Por três manhãs consecutivas no Brasil, ou três noites do outro lado do mundo, na China, o CAS-Fiocruz webinar on Infectous Diseases reuniu pesquisadores da Fiocruz e da Academia Chinesa de Ciências para a troca de informações sobre assuntos como Covid-19, vacinas, zika, dengue e outras enfermidades comuns aos dois lados do globo. O webinário ocorreu nos dias 14, 15 e 16 deste mês.
Avanços na cooperação em saúde e ciência
A abertura do evento, na quarta-feira (14/12), coube à presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, e ao vice-presidente da CAS, Zhang Yaping, e contou com a mediação de Hua Xiang, vice-diretor-geral do Instituto de Microbiologia da CAS (IMCAS). Nísia e Zhang Yaping destacaram o histórico recente da cooperação em saúde e ciência entre os dois países. “O evento é um passo importante na implementação do Memorando de Entendimento (MdE) assinado entre a CAS e a Fiocruz em 2018”, ressaltou Zhang. Nísia reforçou a importância da colaboração com a CAS, com o conjunto das instituições chinesas e com as embaixadas. Essa colaboração promissora já teria alcançado grandes resultados. “O enfrentamento dos desafios nos deixará legados de aprendizados e preparação”, disse, e valorizou a parceria ao lembrar que o IFA importado da vacina Astrazeneca é produzido pelo laboratório chinês Wuxi Biologics. “Ele tem sido essencial para imunização dos brasileiros”. Por fim, a presidente da Fiocruz destacou o caráter estratégico da aproximação das instituições: “que possamos enfrentar a matriz de todas as desigualdades, a desigualdade de conhecimento, inovação e tecnologia de produção de insumos de saúde. A distribuição mais simétrica desses recursos é fundamental”.
Os embaixadoras do Brasil na China, Paulo Estivallet de Mesquita, e o Ministro da Embaixada da China no Brasil, Jin Hongjun, celebraram o estreitamento das relações entre os países, muito forte nas áreas da economia e do comércio e cada vez mais na área da saúde pública e da ciência. Mesquita afirmou que a Diplomacia da Saúde é uma prioridade da atual gestão do Ministério das Relações Exteriores e que a cooperação entre Brasil e China, países com sistemas de saúde bastante desenvolvidas e grande capacidade científica e tecnológica, poderia fortalecer a ambos. Jin Hongjun, por sua vez, enalteceu o prestígio internacional tanto da CAS quanto da Fiocruz e reforçou a grande importância que a China atribui para a cooperação com o Brasil. Ele espera que a aproximação possa possa intensificar a produção de medicamentos, vacinas, biotecnologia e capacitação de recursos humanos.
Wei Qian, diretor-geral do Instituto de Microbiologia (IMCAS), apresentou o instituto e explicou que o ele coordena cinco laboratórios em âmbito nacional. Qian vê na cooperação com outros países um elemento fundamental para o desenvolvimento em um contexto de globalização. A importância da parceria devido ao impacto global da Covid-19 também foi apontada por Carlos Morel, membro da Academia Brasileira de Ciências e coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz). “A pandemia demonstrou a importância de prevermos, prevenirmos e controlar não só SRAS, mas estudar e elucidar mecanismo pelo quais aparecem novos patógenos com potencial pandêmico”, explicou.
O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde, Marco Krieger, e o diretor do Centro de Controle de Doenças da China, Gao Fu, fizeram uma apresentação de 30 minutos sobre os mais recentes progressos na pesquisa de doenças infecciosas. Gao descreveu o histórico chinês do desenvolvimento de seu sistema de saúde. Ele defendeu o valor estratégico de fortalecer a saúde pública no nível comunitário, mas em um momento em que a comunidade também precisa ser pensando no âmbito da cooperação internacional. “Precisamos construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade, por meio de sistemas de saúde”, disse. “Ninguém está salvo enquanto uma pessoa não estiver”. Ele estimou ainda que a pandemia só poderá ser superada quando 85% da população mundial estiver imunizada.
Krieger apresentou as realização da Fiocruz durante a pandemia, como a Construção do Centro Hospitalar e o desenvolvimento de vacinas. Ele exaltou ainda o projeto do novo campus de Santa Cruz. “Em um futuro próximo, teremos um novo complexo industrial de saúde em biotecnologia que ampliará a capacidade de Bio-Manguinhos em produzir vacinas e fármacos”.
Vigilância Genômica e Imunológica
Teve início, então, o seminário científico. No primeiro dia, expuseram seus trabalhos pela Fiocruz Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo (IOC/Fiocruz), e Wilson Savino, membro da ABC e coordenador de Estratégias de Integração Regional e Nacional da Fiocruz. Siqueira apresentou a plataforma de vigilância genômica do Sars-Cov-2 na Fiocruz, a Rede Genômica Fiocruz. Ela destacou sua efetividade na identificação e no monitoramento de variantes. Demonstramos que a variante gamma evoluiu em diferentes regiões, tivemos uma melhor definição dessas mutações, de suas evoluções e de seu impacto na disseminação da doença”, descreve. A pesquisadora ressaltou ainda a referência que se tornou a Rede Genômica, com a disponibilização de dados e gráficos em tempo real sobre a situação da Covid no país. “É uma plataforma muito importante para a mídia e o público em geral, com uma robusta comunicação sobre o que está acontecendo”.
Savino, por, sua vez, propôs a discussão sobre o conceito de vigilância imunológica. Ele avalia a estruturação de um sistema de vigilância imunológica para lidar com emergências sanitárias, o que aprimoraria a coordenação entre cientistas e gestores públicos. “Seria uma rede de inteligência que usaria uma plataforma tecnológica para gerar um grande volume de dados, integrando-se com outros componentes do ecossistema de vigilância da Fiocruz”, explica. "É uma ideia inicial e espero ter a colaboração dos demais pesquisadores para desenvolver o conceito e as configurações desse sistema”.
De Recife a Wuhan
No segundo dia de participação, quinta-feira (15/12), a Fiocruz procurou mostrar um pouco do trabalho realizado em todo o território nacional: do Amazonas, passando por Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e chegando ao Paraná.
Ernesto Marques, pesquisador de saúde pública do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco), deu um panorama sobre os avanços no diagnóstico, tratamento e busca de uma vacina contra a zika, doença que atingiu gravemente o Brasil gerando casos de microcefalia em bebês. “A zika está para Recife como a Covid-19 está para Wuhan”, contou Marques. Ele apresentou um teste capaz de detectar a zika congênita em gestações a partir do quarto mês.
Do Rio, o pesquisador Thiago Moreno, vice-coordenador do Centro para o Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), compartilhou estudos que buscam usar medicamentos previamente conhecidos no tratamento da Covid-19, como o Daclatasvir e o Sofosbuvir, usados originalmente contra a hepatite C - ambos se mostraram eficazes ao inibir a replicação do Sars-CoV-2.
Coube a Manoel Barral Netto, pesquisador da Fiocruz Bahia e coordenador do projeto Vigivac, apresentar o monitoramento digital da vacina contra a Covid-19 no Brasil. O boletim demonstrou que os quatro imunizantes usados no país mostraram grande proteção contra o risco de internações e óbito, baseado num levantamento de 163 milhões de pessoas.
Luciano Moreira, pesquisador em saúde pública da Fiocruz Minas e coordenador do World Mosquito Program no Brasil, apresentou os resultados contra as arboviroses do método Wolbachia, empregado em 11 países. Conduzido no Brasil pela Fiocruz, o programa consiste na introdução dessa bactéria no Aedes aegypt: ela impede que os vírus da dengue, zika e chikungunya se desenvolvam dentro do mosquito. “Houve uma redução de 44% a 70% de casos de dengue nas áreas trabalhadas”, contou.
De Manaus, o virologista Felipe Naveca, vice-diretor de Pesquisa e Inovação do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), tratou da vigilância de vírus emergentes, reemergentes e negligenciados na Amazônia brasileira. É o caso do vírus mayaru (aparentado com a chikungunya), o oropuche (que causa encefalite) e o coxsackie (que causa a doença mão-pé-boca). Este último é aparentado com uma forma encontrada na vizinha Venezuela. “Estamos usando um barco científico para ir às áreas remotas”, contou Naveca.
No outro extremo do país, Márcio Rodrigues, do Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná) falou sobre doenças fúngicas negligenciadas, que a cada ano matam 1,6 milhão de pessoas no mundo. Entre elas, Cryptococcal meningitis. Os tratamentos para essas doenças são caros e limitados, e ele destacou a necessidade de mais verbas para estudos e remédios.
Entre os pesquisadores chineses, Lianpan Dai, do Laboratório de Microbiologia Patogênica e Imunobiologia (CAS), falou sobre as vacinas contra a Covid-19, destacando que uma segunda geração dos imunizantes deverá estar mais adaptada às variantes. Yi Shi, professor do IMCAS e que lembrou o seminário conjunto de 2019, tratou dos novos medicamentos contra a doença. Ao falar sobre Big Data sobre Microbiologia Patogênica, Linhuan Wu, vice-diretora do Centro de Dados de Microbiologia da China (IMCAS), destacou o Brics Project Targets, que busca a colaboração no sequenciamento e um protocolo de análise de dados da Covid-19 entre países do bloco, entre outros cientistas chineses que participaram do simpósio.
Programas de bolsas de estudos
A mesa de encerramento do seminário, realizada na manhã de sexta-feira (16/12), teve como moderador o assessor da Vice-Presidência de Produção e Inovação da Fiocruz, André Lobato, e foi dedicada às oportunidades de bolsas de estudos para pós-graduação de estrangeiros na China e no Brasil. Os programas dos dois países foram apresentados respectivamente pela representante da Aliança de Organizações Científicas Internacionais (Anso, na sigla em inglês), Zhongxiu Wang, e pela coordenadora-geral de Educação da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação, Cristina Guilam.
A Bolsa ANSO para Jovens Talentos foi lançada em 2019 com o objetivo de formar jovens cientistas de todo o mundo, apoiando anualmente 200 alunos de mestrado e 300 alunos de doutorado na Universidade de Ciência e Tecnologia da China (USTC), na Universidade da Academia Chinesa de Ciências (UCAS) ou institutos da Academia Chinesa de Ciências (CAS), que patrocina os estipêndios. As inscrições para o programa no próximo ano estão abertas desde novembro e seguem até 31 de março de 2022.
Cristina Guilam apresentou as oportunidades oferecidas na Fiocruz por meio do Programa Institucional de Internacionalização (Print) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O programa fomenta os planos estratégicos de internacionalização da Fiocruz, para fortalecer cooperações e formar redes de pesquisa internacionais, promovendo a mobilidade de professores e alunos, além de aprimorar a qualidade da produção acadêmica da pós-graduação.
A coordenadora esclarece que ainda não há um programa de bolsas específico entre a Fiocruz e as instituições chinesas, “mas há um desejo enorme de consolidar a cooperação com a China, pela força crescente do país na produção científica”. Neste sentido, ela adianta que estão programados quatro seminários ao longo do próximo ano, “para identificar as principais áreas temáticas de interesse comum”.
Texto por Ciro Oiticica e Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Noticias)